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Os Princípios da Doutrina Social da Igreja

Os Princípios da Doutrina Social da Igreja

A Doutrina Social da Igreja (DSI) apresenta um conjunto articulado de princípios que são verdadeiras luzes para a reflexão cristã diante das questões sociais. Eles auxiliam os católicos nos critérios de juízo da realidade e oferecem bases sólidas para que direcionem suas ações e escolhas pessoais sob a gramática do Evangelho Social de Jesus Cristo.

A DSI, então, é marcada por uma forte dimensão principiológica. Essa dimensão é muito importante, pois deixa claro que a Igreja respeita o santuário da consciência das pessoas e não diz de modo taxativo quais são as escolhas que elas devem fazer em determinados âmbitos sociopolíticos (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja = CDSI 573). Os princípios são, desse modo, expressão social da dignidade humana e neles se sustenta o ensino social católico (cf. CDSI 160).

Conhecê-los bem é fundamental para os católicos, pois esses princípios são parte essencial da mensagem cristã, com natureza ao mesmo tempo geral, fundamental e necessária (cf. CDSI 161-162). São princípios permanentes, isto é, não vencem com o tempo e têm aplicabilidade universal. São ainda como verdadeiras brasas que iluminam a vida, e não como cinzas conservadas em tradicionalismo morto. Assim, sua aplicação depende de aprofundado discernimento e apurada reflexão diante da realidade concreta.

Vejamos, na sequência, quais são os 6 grandes princípios da DSI.

1º) O princípio da dignidade integral da pessoa humana. Cada ser humano é visto como “imago Dei” (imagem de Deus), possuindo uma dignidade profunda e imperdível, independentemente da situação vivida (cf. Catecismo da Igreja Católica = CIgC 2267). “A pessoa humana não perde nunca a sua grandeza nativa e ninguém lha pode tirar” (Sorge, 2018, p. 27), e, “por mais indigente e esmagada que seja, uma pessoa é como tal um todo, e como pessoa ela subsiste de maneira independente” (Maritain, 1967, p. 12). Daí se pode reconhecer os direitos humanos como “um dos mais relevantes esforços para responder de modo eficaz às exigências da dignidade humana” (CDSI 152); defendê-los é uma exigência de fé (cf. Messias; Cruz, 2020). Destaca-se, assim, nossa dimensão transcendente, a condição de abertura do nosso ser ao exterior, ao outro, a Deus e também ao mais profundo de nós mesmos, em processo de aperfeiçoamento: nossa dignidade humana é ao mesmo tempo uma condição e uma vocação, que devemos responder com liberdade, consciência e comprometimento.

2º) O princípio do bem comum. É dever fundamental reconhecer que todos(as) são sujeitos de direitos e de deveres. O que os direitos humanos pretendem alcançar em nível social é exatamente o bem comum, sinal claro de nosso chamado à comunhão e que temos o dever de promover (cf. CDSI 108-110 e 389). O bem comum é o conjunto das condições concretas que permitem a cada pessoa atingir níveis de vida compatíveis com a sua dignidade de pessoa humana (cf. Gaudium et spes = GS 26 e 74; CIgC 1906; CDSI 164), orientando-se a favorecer o desenvolvimento humano em sua totalidade. Orientados pelo princípio do bem comum, devemos trabalhar para que todas e cada uma das pessoas tenham o conjunto total dos bens necessários para que se desenvolvam plenamente como pessoas humanas, e não somente uma parte desses bens, pois o bem comum não é somente a soma dos bens (soma que corre o risco de ser distribuída de maneira desigual) numa sociedade, mas o conjunto deles à disposição de todo ser humano. Assim, o bem comum não se reduz a um mero bem da maioria e é “a razão de ser de toda autoridade política” (CDSI 168).

3º) O princípio da destinação universal dos bens. Esse princípio subordina-se ao princípio do bem comum e tem como base a compreensão de que a terra é fruto do ato criador de Deus e é um dom para uso de todas as pessoas; é Ele mesmo o único proprietário absoluto dos bens criados, que se destinam a todos(as). Cada pessoa tem direito à “possibilidade de usufruir do bem-estar necessário para o seu pleno desenvolvimento” (CDSI 172), para sua realização integral como pessoa, sem fazer com que a posse de bens a desumanize e custe a miséria de seus irmãos e irmãs. Nesse contexto, a Igreja ensina duas coisas complementares: 1) que a propriedade privada tem um valor social, isto é, sua utilidade não é exclusivamente pessoal (cf. CDSI 176-181): “A tradição cristã nunca reconheceu o direito à propriedade privada como absoluto e intocável” (CDSI 177); 2) e que a opção de amor preferencial pelos pobres (CDSI 182-184) é irrenunciável. É inadmissível que existam pessoas que vivam em condições que impeçam sua plena realização: a miséria revela o quanto precisamos de conversão e de salvação integrais.

4º) O princípio da subsidiariedade. Este princípio vem do latim subsidium (subsídio, ajuda supletiva, apoio, promoção, incremento) e visa o desenvolvimento autônomo da pessoa/grupo ajudada/o (cf. CDSI 186). O dever das instâncias superiores é um dever supletivo, de coordenação e promoção da iniciativa e criatividade das instâncias ajudadas. Este princípio é a fonte da vitalidade de inúmeras instituições, movimentos e iniciativas que expressam a maturidade democrática livre do paternalismo estatal. Destaca-se, assim, a necessidade de ajuda econômica, institucional e legislativa, mas sem sufocar a autonomia das sociedades subsidiadas.

5º) O princípio da participação. Ele parte da compreensão de que toda pessoa tem algo a oferecer à sociedade. Possui forte conotação moral, pois se trata de um dever de todos, cada um a seu modo, em vista do bem comum. Ligada à subsidiariedade, a participação “se exprime em uma série de atividades mediante as quais o cidadão, como indivíduo ou associado com outros, diretamente ou por meio de representantes, contribui para a vida cultural, econômica, política e social da comunidade civil a que pertence” (CDSI 189). Daí que vem o especial apreço da DSI pelo regime democrático (cf. CDSI 190), pois ele é marcado por uma destacada necessidade de participação dos cidadãos na vida pública para a saúde de uma sociedade democrática. As formas de participação são muitas, dentre as quais podemos destacar as seguintes: eleições livres; partidos políticos; plebiscitos e referendos; iniciativa popular e coletas de assinaturas; conselhos de bairro, conselhos paritários, de direito e de participação social; movimentos sociais, coletivos, levantes populares; agremiações e sindicatos; audiências públicas, conferências, fóruns; consultas públicas variadas; acompanhamento e fiscalização de mandatos; reunião de câmara legislativa; diálogos comunitários; organizações públicas, privadas, filantrópicas; Acesso à informação (pesquisa, diários oficiais, jornalismo, sites, redes…); grupos de estudo e de pesquisa, observatórios sociais; grupos de fé e política; comunidades eclesiais de base, pastorais sociais; cidadania ativa, crítica e criativa.

6º) O princípio da solidariedade. Cristo é a referência mais concreta de solidariedade à humanidade (cf. CDSI 196). Sua encarnação, Seu batismo, Sua paixão, morte e ressurreição testemunham a que ponto chegou Sua ação solidária a nosso favor, sendo o melhor modelo para nós. O princípio da solidariedade teve diferentes nomes na história da DSI: amizade (Leão XIII), caridade social (Pio XI), civilização do amor (São Paulo VI), lei (Pio XII), princípio (São João XXIII), dever (São Paulo VI), valor e virtude (São João Paulo II). Tem, por fim, aspecto de princípio social, pois deve transformar as estruturas de pecado em estruturas de solidariedade, e aspecto de virtude moral, como determinação de nos empenharmos firmemente pelo bem comum, não se reduzindo a um mero bom sentimento. A solidariedade é, então, o princípio segundo o qual crescemos em valor e dignidade quando investimos forças na promoção do outro.

Em síntese, esses princípios nos iluminam muito na compreensão da realidade, na forma como interpretamos os eventos sociais, oferecem critérios sólidos para nosso posicionamento e comportamento. Se os compreendermos bem, veremos que temos neles, junto com os valores da DSI, excelentes referências para uma coerente vida de fé em todos os âmbitos da sociedade.

 

Prof. Dr. Elvis Rezende MessiasCristão leigo da Diocese da Campanha/MG. É casado e trabalha como professor-pesquisador. Dentre outros, é autor do livro O evangelho social: manual básico de doutrina social da Igreja (Paulus, 2020), escrito com D. Pedro Cruz, bispo da Campanha.

 

 

 

REFERÊNCIAS:

MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967.

MESSIAS, Elvis Rezende. CRUZ, Dom Pedro Cunha. O evangelho social: manual básico de Doutrina Social da Igreja. São Paulo: Paulus, 2020.

SORGE, Bartolomeo. Breve curso de Doutrina Social. São Paulo: Paulinas, 2018.

 

Imagem: The chosen. Um dos apóstolos na multiplicação de pães e peixes.

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