/
/
DE LEÃO XIII A LEÃO XIV: OS GRANDES DOCUMENTOS DA DSI

DE LEÃO XIII A LEÃO XIV: OS GRANDES DOCUMENTOS DA DSI

(PARTE 1)

Habemus Papam! Um novo pontífice foi eleito pelos cardeais da Igreja Católica no dia 8 de maio de 2025: o estadunidense Robert Francis Prevost, que assume o nome de Leão XIV, é o 267º Papa, sucedendo o querido Francisco, falecido em 21 de abril.

O nome escolhido pelo novo Papa remeteu-nos imediatamente a Leão XIII, pontífice católico entre 20 de fevereiro de 1878 e 20 de julho de 1903. Leão XIII é o responsável pela constituição da “atual” Doutrina Social da Igreja (DSI). Digo “atual” porque, na verdade, a Igreja Católica sempre teve uma Doutrina Social, cujo fundamento, segundo os testemunhos da Sagrada Escritura e da Tradição, é a própria Santíssima Trindade, sempre presente e amorosamente atuante na história humana, e, em especial, com a Encarnação do Verbo. Como disse o Papa Francisco no Prefácio do Docat (2016, p. 12): “Em rigor, não se pode dizer que a Doutrina Social tem a sua origem neste ou naquele Papa ou neste ou naquele pensador. Ela brota do coração do Evangelho. Ela brota do próprio Jesus. Ele é em pessoa a Doutrina Social de Deus”. Mas, com Leão XIII tivemos a primeira encíclica de um Papa exclusivamente dedicada às questões sociais: trata-se da Rerum novarum (RN), publicada em 15 de maio de 1891, que versou sobre a difícil condição de vida e de trabalho dos operários.

O cardeal Prevost escolheu chamar-se Leão XIV, em clara referência àquele pontífice que conduziu a Igreja no final do século XIX e a introduziu no século XX. Segundo disse, a principal razão para a escolha “é porque o Papa Leão XIII, com a histórica Encíclica Rerum novarum, abordou a questão social no contexto da primeira grande revolução industrial; e, hoje, a Igreja oferece a todos a riqueza de sua doutrina social para responder a outra revolução industrial e aos desenvolvimentos da inteligência artificial, que trazem novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho” (Leão XIV, Discurso aos membros do Colégio Cardinalício, 10 de maio de 2025).

Como se pode notar, a DSI provavelmente ocupará um espaço especial no ministério petrino de Leão XIV. Isso se torna uma ocasião também especial para nós, católicos, e todas as pessoas de boa-vontade buscarmos um filial aprofundamento na DSI, procurando conhecê-la, amá-la e praticá-la.

Em nossa coluna no site da Diocese da Campanha temos vários artigos dedicado à DSI nos últimos meses; sinta-se convidado(a) a lê-los. Vamos, a partir de agora, dedicar alguns artigos sobre as “encíclicas” sociais católicas, fazendo um bonito e fecundo percurso que vai de Leão XIII a Leão XIV no conhecimento dos grandes documentos da DSI.

Nesta primeira parte, serão apresentadas as “encíclicas” sociais publicadas pelos papas cujos pontificados aconteceram antes do Concílio Vaticano II. Vejamos esses documentos, que nem sempre vieram a público em forma de “encíclicas”.

1º) Rerum novarum – RN (“As coisas novas”): publicada pelo Papa Leão XIII no dia 15 de maio de 1891, ela é a “Carta Magna” da DSI. Como ensina o Compêndio da DSI (CDSI), sabemos que “a solicitude social certamente não teve início com tal documento, porque a Igreja jamais deixou de se interessar pela sociedade. […] Ele tem suas raízes na Sagrada Escritura e tomou forma e corpo na doutrina dos Padres, dos grandes Doutores da Idade Média…” (CDSI 87). Mas “a Encíclica Rerum novarum dá início a um novo caminho: inserindo-se numa tradição plurissecular, ela assinala um novo início e um substancial desenvolvimento do ensinamento em campo social” (CDSI 87).

O contexto era o da deplorável condição dos operários na realidade industrialista, que consolidava a Revolução Industrial e o capitalismo como modelo econômico dominante. A RN não aceita o “remédio” do socialismo contra a “doença” do capitalismo e faz uma exposição atualizada da “doutrina católica acerca do trabalho, do direito de propriedade, do princípio de colaboração contraposto à luta de classe como meio fundamental para a mudança social, sobre o direito dos fracos, sobre a dignidade dos pobres e sobre as obrigações dos ricos, sobre o aperfeiçoamento da justiça mediante a caridade, sobre o direito a ter associações profissionais” (CDSI 89). Com essa encíclica, então, temos a inauguração de um método reflexão, análise e de ação que “se tornará um paradigma permanente para o desenvolvimento da doutrina social. Os princípios afirmados por Leão XIII serão retomados e aprofundados pelas encíclicas sociais sucessivas. Toda a doutrina social poderia ser entendida como uma atualização, um aprofundamento e uma expansão do núcleo originário de princípios expostos na Rerum novarum” (CDSI 90).

2º) Quadragesimo anno – QA (“No 40º aniversário”): publicada pelo Papa Pio XI no dia 15 de maio de 1931, ela é a primeira encíclica social escrita depois da RN, e foi escrita justamente em comemoração aos exatos quarenta anos de publicação da RN, e lidou, em geral, sobre a restauração e aperfeiçoamento da ordem social em conformidade com a lei evangélica.

No seu contexto havia o avanço tecnológico/industrial e produtivo, a crescente força da ideologia do Liberalismo, os efeitos da crise econômica de 1929, a experiência do Socialismo Real (1917), o Fascismo, as sombras do Nazismo, dentre muitas outras complexidades histórico-políticas. Retomando e atualizando os ensinamentos da RN, com a encíclica de QA vemos que “à industrialização se ajuntara a expansão do poder dos grupos financeiros, em âmbito nacional e internacional. Era o período pós-bélico, em que se iam afirmando na Europa os regimes totalitários, enquanto se exacerbava a luta de classe. A encíclica adverte acerca da falta de respeito à liberdade de associação e reafirma os princípios de solidariedade e de colaboração para superar as antinomias sociais. As relações entre capital e trabalho devem dar-se sob o signo da colaboração” (CDSI 91). Para Pio XI, “O Estado, nas relações com o setor privado, deve aplicar o princípio de subsidiariedade, princípio que se tornará um elemento permanente da doutrina social. A encíclica refuta o liberalismo entendido como concorrência ilimitada das forças econômicas, mas reconfirma o direito à propriedade privada, evocando-lhe a sua função social” (CDSI 91).

3º) Non abbiamo bisogno – NAB (“Nós não precisamos disso”): publicada também pelo Papa Pio XI, no dia 29 de junho de 1931, pouco mais de um mês após a QA, não foi propriamente uma encíclica social comemorativa da RN de Leão XIII. O contexto imediato considerado por Pio XI foi o da grande força do Fascismo italiano, e, com a NAB, Pio XI protesta “contra os abusos do regime totalitário fascista na Itália” (CDSI 92).

4º) Mit brennender sorge – MBS (“Com grande preocupação”): também publicada pelo Papa Pio XI, no dia 14 de março de 1937, versa sobre a situação da Igreja Católica no Reich alemão. O contexto era o do constante aumento da força e violência do regime nazista. Nesse sentido, “a encíclica aparecia após anos de abusos e de violências e fora expressamente pedida a Pio XI pelos bispos alemães, após as medidas cada vez mais coativas e repressivas tomadas pelo Reich em 1936, particularmente em relação aos jovens, obrigados a inscrever-se na ‘Juventude hitlerista’. O Papa dirige-se diretamente aos sacerdotes e aos religiosos, aos fiéis leigos, para os incentivar e chamar à resistência, enquanto uma verdadeira paz entre a Igreja e o Estado não se restabelecesse” (CDSI 92).

5º) Divini Redemptoris – DR (“A promessa de um Divino Redentor”): última encíclica social de Pio XI, publicada no dia 19 de março de 1937, cinco dias após a MBS, esse documento versa sobre o Comunismo Ateu. O contexto era o do crescimento histórico do embate ideológico e prático entre o socialismo real e o capitalismo mundialmente dominante. Na DR há uma crítica sistemática ao comunismo e indicações práticas para superar os seus males: “a renovação da vida cristã, o exercício da caridade evangélica, o cumprimento dos deveres de justiça no plano interpessoal e social, em vista do bem comum, a institucionalização de corpos profissionais e interprofissionais” (CDSI 92).

Como se vê, “Pio XI não deixou de elevar a voz contra os regimes totalitários que durante o seu pontificado se afirmaram na Europa” (CDSI 92).

6º) La Sollennità della Pentecoste – LSP (“A Solenidade de Pentecostes”): transmitida pelo Papa Pio XII no dia 1º de junho de 1941, é uma rádio-mensagem que comemora os cinquenta anos da encíclica RN.

O contexto era o da grave Segunda Guerra Mundial em curso. Pio XII “não publicou encíclicas sociais, mas manifestou constantemente, em numerosos contextos, a sua preocupação com a ordem internacional subvertida […] Uma das características fundamentais dos pronunciamentos de Pio XII está na importância dada à conexão entre moral e direito. O Papa insiste sobre a noção de direito natural [e de bem comum]” (CDSI 93), elementos fundamentais presentes na mensagem de LSP.

7º) Mater et magistra – MM (“Mãe e mestra”): publicada pelo Papa João XXIII no dia 15 de maio de 1961, essa encíclica social versa sobre a evolução da questão social à luz da doutrina cristã, no 70º aniversário da RN.

O contexto geral era o da chamada “universalização da questão social”. Era o início dos Anos Sessenta, nos quais se “abrem horizontes promissores: o reinício após as devastações da guerra, a descolonização da África, os primeiros tímidos sinais de um desgelo nas relações entre os dois blocos, americano e soviético […] ao lado da questão operária e da revolução industrial, se delineiam os problemas da agricultura, das áreas em via de desenvolvimento, do incremento demográfico e os referentes à necessidade de cooperação econômica mundial. As desigualdades, antes advertidas no interior das nações, aparecem no âmbito internacional e fazem emergir cada vez mais a situação dramática em que se encontra o Terceiro Mundo” (CDSI 94). Com a MM temos uma espécie de primeiro grande compêndio da DSI, tamanha profundidade da síntese e da reflexão feitas por João XXIII, ficando claro que a proposta da Igreja não se reduz a nenhuma ideologia, já que se afirma enfaticamente que “tanto a concorrência de tipo liberal como a luta de classes no sentido marxista são contrárias à natureza e à concepção cristã da vida” (MM 23). Enfim, “as palavras-chave da encíclica são comunidade e socialização: a Igreja é chamada, na verdade, na justiça e no amor, a colaborar com todos os homens para construir uma autêntica comunhão. Por tal via o crescimento econômico não se limitará a satisfazer as necessidades dos homens, mas poderá promover também a sua dignidade” (CDSI 94).

Esses foram os documentos da DSI que vieram a público antes do Concílio Vaticano II. No próximo artigo veremos aqueles que surgiram durante o próprio Concílio. Por enquanto, aprofunde-se no conhecimento das “encíclicas” sociais vistas até aqui. Boa jornada. Até breve.

 

Texto: Prof. Dr. Elvis Rezende MessiasCristão leigo da Diocese da Campanha/MG. É casado, trabalha como professor-pesquisador e é autor do livro O evangelho social: manual básico de doutrina social da Igreja (Paulus, 2020), escrito com D. Pedro Cruz, bispo da Campanha.

Foto de Diocese da Campanha

Diocese da Campanha

Compartilhar:

Categorias:

Diocese

Formações

Leia Também

Uma comitiva de 13 pessoas, dentre as quais: Pastoral Diocesana da Ecologia Integral, Pastoral da Juventude, Pastoral Afro e