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A ação dos Cristãos leigos e leigas no mundo

A ação dos Cristãos leigos e leigas no mundo

O cristianismo é uma religião com profundo comprometimento histórico. Não somos uma religião que despreza o mundo e as suas dimensões, pois professamos fé no Deus que “amou tanto o mundo” (Jo 3, 16), que “se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14). Como bem ensina a Igreja, “a redenção começa com a encarnação” (CDSI, 65) e atinge um ponto radical no madeiro da cruz, quando o Deus encarnado morre por nós e nos conquista, por um alto preço, uma “salvação integral” (CDSI, 1), isto é, uma salvação que envolve todas as pessoas e cada pessoa no seu todo (cf. PP, 14). E não para por aí: o mistério da encarnação, que chega ao mistério da paixão e morte, alcança o seu ápice na ressurreição do Senhor. No batismo, todos nós participamos de sua morte e, sepultados com Ele, Nele ressuscitamos para uma vida nova e para participarmos plenamente de Sua comunhão e de Sua missão.

Todo o povo de Deus é redimido por Deus, chamado à Comunhão com Ele e enviado em missão, para viver uma profunda comunhão também com todas as criaturas da Terra. “Vós sois o sal da Terra, vós sois a luz do mundo” (cf. Mt 5, 13-14). Temos, assim, uma grande responsabilidade missionária, própria de toda pessoa cristã a partir do batismo, que nos insere na Missão de Jesus como cristãos leigos e leigas. Ainda que algumas pessoas sejam chamadas, posteriormente, ao ministério ordenado (diaconado, presbiterado ou episcopado) ou à vida religiosa consagrada, “todos fazemos o nosso ingresso na Igreja como leigos” e “o primeiro sacramento, que sela para sempre a nossa identidade, e do qual deveríamos ser sempre orgulhosos, é o batismo” (Papa Francisco. Carta ao Cardeal Marc Ouellet. 19 mar. 2016).

Desse modo, o laicato é uma fundamental vocação cristã, que possui uma singular e indispensável missão na Igreja. Ele não é menos nem mais importante que nenhum outro estado de vida eclesial, mas possui uma característica própria. Segundo ensina a Igreja, “os leigos são especialmente chamados a tornarem a Igreja presente e ativa naqueles locais e circunstâncias em que só por meio deles ela pode ser o sal da terra” (LG, 33). Você prestou atenção nisso? Existem locais e circunstâncias nos quais a Igreja se torna presente e ativa só por meio dos fiéis leigos e leigas. Que responsabilidade! Que grande missão!

E como estamos vivendo essa séria missão? Como a Palavra e a Graça de Deus se fazem presentes e atuantes no mundo através de nossa missão laical? Estamos sendo eficazes nessa tarefa missionária tão importante? Estamos impregnando o mundo da cultura, da política, do trabalho, da economia, das políticas públicas, do meio ambiente e tantos outros com a graça fecundante do Evangelho? Os bispos católicos da América Latina e do Caribe nos chamam a atenção para algo muito sério: nós vivemos no continente com o maior número de católicos do mundo, mas esse continente é também o de maior iniquidade social (cf. DAp, 527). O que está havendo com a nossa forma de viver a nossa fé? Como é possível uma contradição dessa? Uma realidade tão cheia de pessoas cristãs não deveria ser uma realidade mais justa, fraterna, solidária e feliz? Se olharmos para dentro da própria Igreja, veremos que os leigos e as leigas são os fiéis de maior número. Ou seja, existem muito mais leigos e leigas na Igreja que bispos, padres e diáconos! Como estamos vivendo nossa missão? O que podemos fazer para que o mundo seja melhor?

Enquanto católicos leigos e leigas, temos uma tarefa importante, que ninguém pode viver em nosso lugar: “Assim como o leigo não pode substituir o pastor, o pastor não pode substituir os leigos e as leigas no que lhes compete por vocação e missão” (Doc. 105, 8). Assumamos com coragem, alegria e sabedoria nosso chamado eclesial! Também nós exercemos uma dimensão pastoral, evangelizadora e missionária! (cf. Doc. 105, 4).

Isso requer de nós muita oração e muita formação, para que tenhamos, de fato, uma espiritualidade encarnada e integral. Isso é fundamental para assumirmos bem nossa identidade eclesial e nossa identidade cristã, com o jeito de ser próprio de filhos e filhas de Deus. Sem cair no intimismo nem no ativismo, mas vivendo de maneira bem equilibrada o discipulado e a missão, o anúncio e a denúncia, a fé e a vida, a contemplação e a ação, lutando para que nada nem ninguém viva com menos do que é aos olhos do Senhor.

Não nos esqueçamos também que nossa missão é, sobretudo, de caráter secular. Como diz o belo texto da Constituição Dogmática Lumen Gentium (n. 31), nossa vocação própria “é administrar e ordenar as coisas temporais, em busca do Reino de Deus”, sendo chamados “a viver segundo o espírito do Evangelho” exatamente “no mundo”, nas “profissões e trabalhos, nas condições comuns da vida familiar e social, que constituem a trama da existência”. Devemos, exatamente nas muitas dimensões da vida histórica e temporal cotidiana, viver “como fermento de santificação […] pelo testemunho da fé, da esperança e do amor, de maneira a manifestar Cristo a todos os homens”, para “iluminar e organizar as coisas temporais a que estamos vinculados”. Estamos conseguindo viver isso? Essa missão pastoral é especialmente nossa, leigos e leigas da Igreja Católica.

“Deus amou tanto o mundo…” (Jo 3, 16)! Que afirmativa forte do Evangelho! E nós, também temos amado muito a Deus e àquilo que Ele ama? Os mundos da família, da política, das políticas públicas, do trabalho, da cultura, da educação, das comunicações, da ecologia integral, são lugares especiais de nosso apostolado (cf. Doc. 105, 250-273). O testemunho de vida íntegra, a ética, a competência, o anúncio querigmático, o envolvimento nos serviços pastorais e ministérios, a inserção na vida social e nas pastorais sociais, a atuação na vida cultural e política, são modos privilegiados de exercício da nossa missão (cf. Doc. 105, 244). A postura cheia de ternura (n. 71), combatendo tudo aquilo que fragiliza e massacra a vida de qualquer ser humano (n. 177; EG, 53), promovendo a cultura do encontro e santificando nossas ações rotineiras (cf. GE), com muita esperança, fé, caridade e compromisso com a justiça social, são características irrenunciáveis para a vivência de nossa vocação cristã no mundo de hoje. Lembremo-nos sempre dessas três coisas: lugares, modos e características da vivência de nosso chamado como cristãos leigos e leigas.

Maria, Mãe de Deus e nossa, é o grande modelo para os cristãos católicos, Ela que foi mulher, mãe, pobre, servidora e leiga. E também Nhá Chica, a beata leiga de nossa Diocese da Campanha, nos inspira na vivência de uma fé profunda e incansavelmente compromissada com as pequeninas e os pequeninos do Reino, com os quais Jesus se identificou de maneira singular: “tudo o que vocês fizerem a cada um desses mínimos que são meus irmãos, é a Mim que vocês fazem” (Mt 25, 40). Que grande missão! Sigamos firmes, “alegres na esperança, fortes na tribulação, perseverantes na oração” (Rm 12, 12).

 

SIGLAS UTILIZADAS

CDSI – Compêndio da Doutrina Social da Igreja

DAp – Documento de Aparecida

Doc 105 – Documento 105 da CNBB: cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade

EG – Exortação Apostólica Evangelii Gaudium

GE – Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate

Jo – Evangelho de São João

LG – Constituição Dogmática Lumen Gentium

Mt – Evangelho de São Mateus

PP – Carta Encíclica Populorum Progressio

Rm – Carta aos Romanos

 

Texto: Prof. Dr. Elvis Rezende Messias (Cristão leigo da Diocese da Campanha/MG, assessor diocesano do Movimento Fé e Política, membro da Paróquia de Santo Antônio da Campanha, onde ajuda na Música Litúrgica. É casado e trabalha como professor e pesquisador. Autor, dentre outros, do livro O evangelho social: manual básico de doutrina social da Igreja (Paulus, 2020), escrito em parceria com Dom Pedro Cunha Cruz, bispo diocesano da Campanha).

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