Quaresma, Fraternidade e Paz

Braso D. Pedro

O tempo da quaresma, como renovação da vida cristã, nos convida a reencontrar o nosso verdadeiro rosto cristão através da oração e caridade, a fim de modelarmos nossa imagem à imagem de Cristo; assim é que poderemos viver uma comunhão mais profunda no seu mistério de morte e ressurreição. É tempo de nós percorrermos o itinerário batismal de penitência e conversão. Tempo liturgicamente forte de mudança de vida, que nos insere ainda mais no Mistério de Cristo. Por isso, este tempo é de alegria, pois iniciamos nossa caminhada rumo a Páscoa de nosso Salvador Jesus Cristo. Os quarenta dias que percorremos é um tempo de graça e de benção, marcado pela escuta da Palavra de Deus; da reconciliação com Deus e com os irmãos. É um tempo em que a Igreja, com amorosa insistência, nos chama a mudar de vida. Tempo de oração, jejum, de partilha e gestos solidários, de direcionarmos a misericórdia de Deus aos mais necessitados.

A liturgia deste tempo forte e pedagógico nos prepara para a grande solenidade da Páscoa, que é o centro da nossa Fé. Cada mensagem semanal nos leva a uma renovação espiritual, e nos convida a viver este retiro olhando para o alto (oração), para si mesmo (jejum) e para o outro (esmola). É uma experiência de fé que nos transforma pessoalmente e o que está ao nosso redor, isto é, toda realidade do nosso mundo que ainda precisa ser atingida pela força renovadora da Palavra de Deus. Por isso, é importante intensificar a oração, a escuta da Palavra de Deus e a caridade. É um itinerário de obediência a Deus e entrega aos irmãos. O cristão testemunha ainda mais o Evangelho da misericórdia com sinais internos e externos.

Para nós cristãos, todos os dias deste tempo rico nos anima e faz com que olhemos mais de perto a nossa vida e a nossa condição. A conversão é um processo permanente, seja em nível pessoal ou social. Conversão significa uma mudança de sentido ou de rumo. Acreditamos que nunca é tarde para optar pelo bem e abandonar o mal, pois Deus, no seu amor infinito e misericordioso, está sempre pronto a nos acolher e abraçar, como fez com o filho pródigo. Nosso itinerário é sempre de um retorno ao primeiro amor e à fonte de todo bem e de toda graça. Esta é a razão pela qual repetimos, incansavelmente, neste recolhimento espiritual, a célebre passagem bíblica: “É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (2 Cor 6, 2). Portanto, temos que aproveitar esta graça que passa diante de cada um de nós. Não deixemos passar em vão este tempo com toda sua riqueza.

A Campanha da fraternidade se insere exatamente neste tempo quaresmal, pois visa gerar para os fiéis e a sociedade uma conversão pessoal, comunitária e social. A Campanha da Fraternidade deste ano nos propõe como tema: “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor”, e como lema: “Cristo é nossa paz: do que era dividido fez uma unidade” (Ef 2, 14ª). É um convite para redescobrirmos, num mundo tão polarizado e de grandes conflitos, a força e a beleza do diálogo, como forma de superar a cultura do ódio e da intolerância. Não percebemos outro caminho para a convivência fraterna e abertura ao outro sem o diálogo. O cristão, por sua identidade e opção evangélica, testemunha a sua fé e sonha por um mundo mais justo e fraterno, quando se engaja na luta contra o conflito e a violência, fazendo florescer a cultura da paz.

 

 Uma Santa Quaresma a todos

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No último dia vinte e oito, a Igreja do Brasil celebrou a Solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo. Os dois apóstolos personificam a identidade da Igreja. Por caminhos diferentes, os dois deram o mesmo testemunho. No Evangelho de Mateus, lido no Ano litúrgico A, Jesus pergunta aos discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” (Mt 16,13). A resposta será dada por Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16). Tal resposta, vinda do Pai, já contém a semente da futura confissão de fé da Igreja, da qual Pedro é o fundamento e o chefe. Portanto, na definição da identidade de Jesus já desponta o papel eclesial de Pedro, onde a Igreja é convocada a professar a sua fé em comunhão com ele. Pedro aprende o significado real de seguir Jesus, e nos deixa esta lição. “Ubi Petrus, ibi Ecclesia”, ou seja, onde está Pedro, aí está a Igreja (Santo Ambrósio, Expositio in Ps., XL, §30).
Não são poucos os sinais na vida do apóstolo Pedro que indicam o desejo de Cristo em dar ao mesmo um destaque no Colégio Apostólico; o que se confirma na resposta de Pedro sobre a identidade de Jesus e em outras passagens em que ele fala em nome dos demais apóstolos. “Dentre estes, somente Pedro mereceu representar em toda parte a personalidade da Igreja inteira. Porque sozinho representava a Igreja inteira, mereceu ouvir estas palavras: ‘Eu te darei as chaves do Reino dos Céus’ (Mt 16,19). Assim manifesta-se a superioridade de Pedro, que representa a universalidade e a unidade da Igreja. A ele era atribuído pessoalmente o que a todos foi dado” (Santo Agostinho, Sermo 295, PL 38, 1348-1352). Deste modo, podemos afirmar que, desde os primórdios, a Igreja reconhece o primado de Pedro e de seus sucessores.
Na última Ceia Cristo confere a Pedro o ministério de confirmar os irmãos, mostrando que o ministério a ele confiado é um dos elementos constitutivos da Igreja, a qual nasce da comunhão da Páscoa celebrada na Eucaristia. Pedro deve ser o guardião da comunhão com Cristo por todos os tempos, ou seja, ele deve guiar o povo à comunhão com Cristo (cf. Bento XVI, Os Apóstolos. Uma introdução às origens da fé cristã. Ed. Pensamento. São Paulo, p. 68). O Concílio Vaticano II sublinhou com sabedoria esta comunhão ao dizer: “Jesus Cristo, Bom Pastor, prepôs aos demais apóstolos o Bem-aventurado Pedro e nele instituiu o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade de fé e comunhão” (LG, 18).
 Neste sentido, torna-se muito oportuno e atual o que vem dito no Catecismo da Igreja Católica: “O papa, bispo de Roma e sucessor de São Pedro, é o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade da Igreja. É o vigário de Cristo, chefe do Colégio dos bispos e Pastor de toda a Igreja, sobre a qual tem, por divina instituição, poder pleno, supremo, imediato e universal” (CIC, 881-882).
Diante de um quadro complexo de proliferações de “magistérios paralelos” em diversos setores de nossa realidade eclesial, gerando confusão e divisão, os bispos, como mestres na fé, e em comunhão com a cabeça do Colégio, devem construir e garantir a unidade da Igreja, pois a cultura do ‘mundanismo’, subjetivismo e relativismo, fere esta mesma unidade querida pelo próprio Cristo (ut omnes unum sint). Não podemos nos sentir Igreja fora da comunhão com o Papa. Somente juntos podemos estar com e em Cristo. Precisamos aprender a caminhar juntos, superando inúteis polarizações.
Por fim, para bem frisar o sentido teológico e litúrgico desta solenidade, vale a pena reler e refletir as preciosas e desafiadoras palavras do Papa Francisco: “Como o Senhor transformou Simão em Pedro, assim chama a cada um para fazer de nós pedras vivas, com as quais construir uma Igreja e uma humanidade renovadas. Há sempre quem destrua a unidade e quem apague a profecia, mas o Senhor acredita em nós e pede-te: queres ser construtor de unidade? Queres ser profeta do meu céu na terra? Deixemo-nos provocar por Jesus e ganhemos a coragem de lhe dizer: Sim quero! “ (Homilia na Solenidade dos Apóstolos São Pedro e São Paulo. Basílica de São Pedro, 29 de junho de 2020).

 

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