Vida e missão. “Eis-me aqui, envia-me” (Is 6, 8)

Braso D. Pedro

Na última Assembleia da CNBB, ocorrida no ano passado, os bispos aprovaram as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Conscientes da tarefa de anunciar a Palavra de Deus em um Brasil cada vez mais urbano, os pastores da Igreja querem convocar todos os fiéis a uma renovação de suas forças missionárias. Na verdade, a Conferência de Aparecida já havia destacado o eixo central da evangelização com a proposta de um discipulado missionário, sem o qual a Igreja não conseguiria cumprir o “Ide” de Jesus aos seus discípulos e, por eles, a todos nós. A superação de todo desânimo e indiferença frente à urgência evangelizadora, é a chave de interpretação de uma fé comprometida e atenta aos desafios e transformações de nosso País. Não devemos temer, pois o Senhor Jesus sempre nos acompanha neste itinerário. A alegria do Evangelho sempre nos revigora, dirigindo nosso olhar para um mundo melhor.

Além de inspirar os planos pastorais das igrejas particulares, as Diretrizes Gerais se pautam na imagem da Casa, entendida como comunidade eclesial missionária. A casa nos remete ao ambiente familiar onde todos vivem um vínculo fraterno e humano, com a cooperação e participação de todos os seus membros. Ela é a imagem da proximidade, da presença e da acolhida. Uma comunidade autêntica e missionária tem de ter estas virtudes. Tais traços de familiaridade nos auxiliam na conscientização de que a missão de Jesus deve estar no coração de toda a Igreja. A missão não pode ser um elemento estranho à Igreja, mas como a casa que nos é familiar e referencial. Ela “é a alma da Igreja evangelizadora a quem pedimos, incessantemente, que venha renovar, sacudir, impelir a Igreja numa decidida saída de si mesma a fim de evangelizar todos os povos” (EG, n. 261).

As novas Diretrizes Gerais propõem à Igreja no Brasil um apelo de retorno às fontes da experiência das primeiras comunidades cristãs. Elas nos ajudam a ler o momento histórico atual e, no contexto urbano, formar comunidades eclesiais vivas e missionárias, pois elas devem ser um luzeiro no meio do mundo, entendido como o lugar da presença de Deus e vivência do Evangelho.

A Campanha missionária que acontece neste mês de outubro, destaca o desafio do momento que estamos vivendo. Por isso, o Papa Francisco nos propôs como tema: A vida é missão; e como lema: Eis-me aqui, envia-me (Is 6,8). Não podemos ficar tranquilos em nossa zona de conforto, mas temos que levar a Palavra do Amor de Deus a todos os corações e em todas as circunstâncias e ocasiões, principalmente neste deserto difícil que estamos atravessando, imposto pela pandemia. Mas, se a missão estiver no coração de toda Igreja, ela será capaz de suscitar um novo tempo de esperança e alegria, pois ela tem a capacidade de preencher todo sentido de nossa existência. Por isso ela é vida. A vida é missão. “A missão no coração do povo não é uma parte da minha vida, ou um ornamento que posso pôr de lado; não é um apêndice ou um momento entre tantos outros da minha vida. É algo que não posso arrancar do meu coração (...) Eu sou uma missão de Deus nesta terra, e para isso estou neste mundo” (EG, 27 e 273).

Que este mês, celebrado e vivido por toda a Igreja, reaviva em nós o ardente desejo de estarmos sempre em missão, e vivermos como autênticos discípulos comprometidos com um apostolado profético e transformador.

 

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No último dia vinte e oito, a Igreja do Brasil celebrou a Solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo. Os dois apóstolos personificam a identidade da Igreja. Por caminhos diferentes, os dois deram o mesmo testemunho. No Evangelho de Mateus, lido no Ano litúrgico A, Jesus pergunta aos discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” (Mt 16,13). A resposta será dada por Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16). Tal resposta, vinda do Pai, já contém a semente da futura confissão de fé da Igreja, da qual Pedro é o fundamento e o chefe. Portanto, na definição da identidade de Jesus já desponta o papel eclesial de Pedro, onde a Igreja é convocada a professar a sua fé em comunhão com ele. Pedro aprende o significado real de seguir Jesus, e nos deixa esta lição. “Ubi Petrus, ibi Ecclesia”, ou seja, onde está Pedro, aí está a Igreja (Santo Ambrósio, Expositio in Ps., XL, §30).
Não são poucos os sinais na vida do apóstolo Pedro que indicam o desejo de Cristo em dar ao mesmo um destaque no Colégio Apostólico; o que se confirma na resposta de Pedro sobre a identidade de Jesus e em outras passagens em que ele fala em nome dos demais apóstolos. “Dentre estes, somente Pedro mereceu representar em toda parte a personalidade da Igreja inteira. Porque sozinho representava a Igreja inteira, mereceu ouvir estas palavras: ‘Eu te darei as chaves do Reino dos Céus’ (Mt 16,19). Assim manifesta-se a superioridade de Pedro, que representa a universalidade e a unidade da Igreja. A ele era atribuído pessoalmente o que a todos foi dado” (Santo Agostinho, Sermo 295, PL 38, 1348-1352). Deste modo, podemos afirmar que, desde os primórdios, a Igreja reconhece o primado de Pedro e de seus sucessores.
Na última Ceia Cristo confere a Pedro o ministério de confirmar os irmãos, mostrando que o ministério a ele confiado é um dos elementos constitutivos da Igreja, a qual nasce da comunhão da Páscoa celebrada na Eucaristia. Pedro deve ser o guardião da comunhão com Cristo por todos os tempos, ou seja, ele deve guiar o povo à comunhão com Cristo (cf. Bento XVI, Os Apóstolos. Uma introdução às origens da fé cristã. Ed. Pensamento. São Paulo, p. 68). O Concílio Vaticano II sublinhou com sabedoria esta comunhão ao dizer: “Jesus Cristo, Bom Pastor, prepôs aos demais apóstolos o Bem-aventurado Pedro e nele instituiu o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade de fé e comunhão” (LG, 18).
 Neste sentido, torna-se muito oportuno e atual o que vem dito no Catecismo da Igreja Católica: “O papa, bispo de Roma e sucessor de São Pedro, é o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade da Igreja. É o vigário de Cristo, chefe do Colégio dos bispos e Pastor de toda a Igreja, sobre a qual tem, por divina instituição, poder pleno, supremo, imediato e universal” (CIC, 881-882).
Diante de um quadro complexo de proliferações de “magistérios paralelos” em diversos setores de nossa realidade eclesial, gerando confusão e divisão, os bispos, como mestres na fé, e em comunhão com a cabeça do Colégio, devem construir e garantir a unidade da Igreja, pois a cultura do ‘mundanismo’, subjetivismo e relativismo, fere esta mesma unidade querida pelo próprio Cristo (ut omnes unum sint). Não podemos nos sentir Igreja fora da comunhão com o Papa. Somente juntos podemos estar com e em Cristo. Precisamos aprender a caminhar juntos, superando inúteis polarizações.
Por fim, para bem frisar o sentido teológico e litúrgico desta solenidade, vale a pena reler e refletir as preciosas e desafiadoras palavras do Papa Francisco: “Como o Senhor transformou Simão em Pedro, assim chama a cada um para fazer de nós pedras vivas, com as quais construir uma Igreja e uma humanidade renovadas. Há sempre quem destrua a unidade e quem apague a profecia, mas o Senhor acredita em nós e pede-te: queres ser construtor de unidade? Queres ser profeta do meu céu na terra? Deixemo-nos provocar por Jesus e ganhemos a coragem de lhe dizer: Sim quero! “ (Homilia na Solenidade dos Apóstolos São Pedro e São Paulo. Basílica de São Pedro, 29 de junho de 2020).

 

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